sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Padre vieira: Imperador da política


O padre Antônio Vieira, cujo quarto centenário de nascimento se comemora no mês de fevereiro, foi imperador de vários reinos. “Imperador da língua portuguesa”, definiu-o o poeta Fernando Pessoa; “Imperador do púlpito”, disse dele o escritor Joaci Pereira Furtado, organizador de sua obra. A estes epítetos pode-se adicionar “imperador da política”, e, neste particular, sem prejuízo da sua colossal figura de evangelista, pregador e pensador, foi como homem de Estado que se agigantou além do apertado figurino português do século XVII.

Não exerceu o poder propriamente dito, como seu colega de batina cardeal de Richelieu, primeiro-ministro de Luís XIII e homem mais poderoso da França naquele período. Foi apenas conselheiro do rei português dom João IV e de sua viúva, a rainha-regente Luísa de Gusmão. O governo e a sociedade portugueses, tolhidos pelo maior mal que se abateu sobre Portugal, a Inquisição, não dispunha das condições objetivas para, depois da Restauração ocorrida em 1640, quando o país se libertou do domínio da Espanha, aplicar as políticas que Vieira formulou para recuperar a glória lusa da “grandeza antiga”.

Sua visão de estadista alcançava mais longe que a miopia dos irmãos religiosos, especialmente os dominicanos que ministravam as trevas da Inquisição. Defendeu a reabilitação dos judeus, para livrar os cristãos-novos do sinal infamante, com o objetivo de atrair a Portugal o capital judaico que já migrara para os Países Baixos (hoje Bélgica e Holanda) e ajudava a fazer daquele país a grande potência comercial da Europa. Foi dele a idéia da criação da Companhia Geral do Comércio do Brasil (1649), para concorrer com a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (1621), patrocinadora da invasão do Nordeste de 1624 a 1654, período em que os holandeses controlaram a produção de açúcar e o tráfico de escravos. Jesuíta, “fiel servo de Deus”, Vieira colocava os interesses de Estado acima do obscurantismo religioso que atrasava Portugal.

A astúcia geopolítica do padre-estadista se fez presente quando sugeriu a dom João IV uma bandeira que demarcasse os limites do Brasil com as terras da Espanha. Não há notícia de que tenha se oposto ao nome que o rei designou para a tarefa, o excomungado capitão Raposo Tavares, o maior inimigo dos jesuítas, destruidor das reduções espanholas da Companhia de Jesus no que é hoje o Sul do Brasil. Vieira é autor de um dos poucos relatos acerca desta bandeira epopéica, que de 1648 a 1651 palmilhou dez mil quilômetros, do Tietê à foz do Amazonas, e praticamente delineou a fronteira atual do País. É visível a ambivalência do texto. Mesmo incriminando Raposo Tavares (“o matador”), sem citar-lhe o nome, compara os bandeirantes aos gregos míticos “argonautas”, e qualifica a empreitada como “uma das mais notáveis que até hoje se tem feito no mundo”.

Pesou em sua biografia a capitulação diante dos holandeses. Autor de um eloqüente Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda, em 1640, concordaria com a decisão de dom João IV de entregar o Nordeste ao inimigo. Considerava que a guerra era cara, a Holanda, um adversário difícil de vencer, e que Portugal poderia reaver as terras “quan-do nos virmos em melhor fortuna”, antes compensando a perda de território com a anexação da Argentina. Como não é raro na História, os soldados surpreenderam os generais. Os guerrilheiros sertanejos, que na exaltação do próprio Vieira “tinham por casa o céu e a terra por cama” e “se sustentavam só de farinha de guerra, sem mais que uma pouca de água”, impuseram uma derrota militar humilhante ao exército flamengo.

Neste episódio, e em tantos outros, a bússola política de Vieira apontava para um só objetivo estratégico, a consolidação do trono português depois dos sessenta anos de domínio espanhol, iniciado após a morte de um jovem rei que não tinha sucessor, dom Sebastião. Desaparecido na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, forjou o mito do retorno triunfal – o sebastianismo – de que voltaria para realizar por vontade de Deus um grande império universal sob domínio português. Quando dom João IV assumiu o trono, voltaram a lume as profecias de um sapateiro de Trancoso, Antônio Gonçalo Bandarra, que no século anterior vaticinara a volta do rei exatamente em 1640: “O seu nome é dom João”. Para a corte, dom João IV era dom Sebastião redivivo.

Quando dom João morreu, em 1656, Vieira abençoou Bandarra, comparando-o aos profetas bíblicos Daniel e Isaías, e pregando que desta vez seria dom João que voltaria à vida e ao poder. Chamaram-no de louco e herege – a Inquisição lhe impôs dois anos de custódia e seis meses de reclusão. Em sua sagacidade política, queria fortalecer a dinastia dos Braganças com o movimento do sebastianismo que animara a luta da Restauração, e unir o país em torno do projeto do grande império.

Fonte: http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=32861

1 comentário:

João Alves das Neves disse...

Gostaria de convidados para o lançamento do livro “400 Anos PADRE VIEIRA - Imperador da Língua Portuguesa”.

Com a presença da maioria dos 15 autores do estudo será lançado o livro “400 ANOS PADRE VIEIRA - Imperador da Língua Portuguesa”, a partir das 19 horas do próximo 16 de Abril, no Consulado Geral de Portugal em São Paulo (Rua Canadá nº 324). O volume foi recém-lançado pela Fundação Memorial da América Latina com textos sobre o Padre Vieira, apresentados no Colóquio realizado no Memorial em 22 à 24 de Abril de 2008.

Trata-se de uma cuidada edição do Memorial que, sob a direção do Dr. Fernando Leça, cada vez mais se destaca no panorama cultural de São Paulo, do Brasil e da América Latina. Com 280 páginas, é uma das mais amplas interpretações da vida e obra vieirinas, graças à colaboração dos professores João Alves das Neves (coordenador e participante do Colóquio de Vieira), assinalando-se igualmente os trabalhos dos ensaístas portugueses Teresa Rita Lopes, José Eduardo Franco, Teodoro Antunes Mendes e António Lopes Machado, assim como dos professores brasileiros Hernani Donato, Carlos Francisco Moura, Eduardo Navarro, Maria Beatriz do Rosário Alcântara, Rita de Cássia Alves, Paulo de Assunção, Raúl Francisco Moura, Vera Helena Pancote Amatti e Luís Antonio Lindo.

Outras informações sobre o lançamento da obra em homenagem ao grande escritor e pregador de Portugal e Brasil, que foi o Padre António Vieira, podem ser obtidas na Fundação Memorial da América Latina, que patrocina o evento ao lado do Consulado Geral de Portugal em São Paulo e outras entidades.

Mais uma vez agradeço a atenção,

Com os melhores cumprimentos,

Fabiola Nese
Relações Publicas Blog Revista Lusofonia
www.revistalusofonia.worpress.com ou www.joaoalvesdasneves.blogspot.com